Alan Turing, o “Pai da Computação”

Alan Turing (Foto: Wikimedia)
Alan Turing (Foto: Wikimedia)

Por Natasha Pinelli 

Imagine um mundo diferente do qual conhecemos. Nesse mundo, a Segunda Guerra Mundial foi ainda pior e se estendeu entre os anos de 1939 e 1947; o desembarque na Normandia, o famoso “Dia D”, foi um verdadeiro desastre para os Países Aliados e, o pior de tudo, 14 milhões de pessoas a mais perderam suas vidas durante o conflito mais letal da humanidade. Para deixar tudo ainda mais intenso, esqueça os computadores e seus derivados, como laptops, smartphones e afins.

Achou isso uma grande viagem e que estamos falando de um universo paralelo? Pois acredite: provavelmente essa seria a nossa realidade se não fossem os trabalhos do matemático, lógico e criptoanalista Alan Turing.

Se você nunca ouviu falar nesse moço que completaria 104 anos em 23 de junho, por favor, continue lendo essa matéria. Alerta de spoiler: alguns trechos serão familiares para quem já assistiu ao filme “O Jogo da Imitação”. “É interessante o fato de Einstein ter se tornado muito famoso com a publicação de teorias tão complexas e o Turing ainda ser pouquíssimo conhecido, mesmo tendo elaborado algo tão presente (os computadores) em nossas vidas”, observa Luis Menasché Schechter, professor do departamento de ciência da computação da UFRJ.

Essa falta de reconhecimento do grande público elucida muitas discussões no ramo acadêmico, que em sua maioria a relaciona com dois fatos principais:
01: um importante legado de Turing está ligado a trabalhos realizados no Projeto Ultra, um dos segredos ingleses mais bem guardados, durante a Segunda Guerra Mundial.
02: ele era homossexual, algo considerado ilegal no Reino Unido dos anos 50. Condenado a receber injeções de hormônio para uma castração química e em estado depressivo, suicidou-se aos 41 anos por envenenamento com cianeto, mas muitos questionam essa versão.

A Máquina de Turing
A máquina de Turing (Foto: Thinkstock)

Na década de 30, "computadores" eram pessoas que faziam contas. Gênio, Alan queria revolucionar isso e automatizar a solução de problemas. Aos 24 anos, criou um modelo matemático do que seria um computador: uma máquina capaz de trabalhar com algoritmos, baseada em um passo a passo de procedimentos necessários para alcançar um resultado. Ou seja, qualquer semelhança com o tão falado sistema que rege o universo digital não é mera coincidência!

“Um algoritmo é uma sequência de instruções. O Google, por exemplo, usa o sistema para agilizar o processo de busca e gerar resultados relevantes. Uma receita de bolo também, pois você precisa seguir o passo a passo para chegar no resultado esperado”, explica o professor da UFRJ. Resumindo: não existe óbvio para os computadores. Se ninguém explicar, detalhar o que ele deve fazer, nada acontece.

Cerca de 80 anos depois da publicação do artigo e 65 anos após a invenção do primeiro computador vendido comercialmente – o modelo Mark 1, também desenvolvido por Turing, na Universidade de Manchester – , todas as versões atuais de processadores continuam se adequando ao modelo proposto pelo britânico.

Enigma x Bombe: a batalha do século
Mesmo ainda distantes da era dos comunicadores instantâneos que temos hoje, usados por milícias e alguns grupos terroristas, os nazistas já sabiam que informação segura era a informação criptografada. Por isso, criaram a Enigma, algo similar a uma máquina de datilografar, acoplada a um painel luminoso com as 26 letras do alfabeto.

De maneira simplificada, cada vez que se apertava a tecla de uma letra, o painel luminoso mostrava uma diferente correspondente. O problema é que os nazistas trabalhavam com possibilidades diversificadas (mas limitadas) de configurações, e a trocavam a cada manhã. De acordo com o filme lançando em 2014, eram 159.000.000.000.000.000.000 de possibilidades de combinações. Um cenário BEM complexo.

“Devido à frequência das trocas, Turing desenvolveu uma máquina, a Bomber, capaz de testar várias configurações ao mesmo tempo. Para diminuir as possibilidades, o matemático analisou palavras repetidas que apareciam nos relatórios matinais, como aquelas relacionadas ao clima e a própria saudação nazista”, esclarece Luís. De certa forma, “Heil Hitler” foi essencial para os britânicos decifrarem a Enigma e acessarem informações valiosíssimas, como o posicionamento das tropas alemãs no desembarque na Normandia.

Um homem ou uma máquina?
Alan também contribuiu com estudos relacionados à área de inteligência artificial ao desenvolver o seu chamado “Jogo da Imitação”. A ideia básica é fazer com que especialistas acreditem que, em uma espécie de teste cego, uma máquina é um ser humano.

Em 2014, um computador passou no teste pela primeira vez. Entretanto, muitos acadêmicos refutam o resultado, alegando que, em vez de elevar as habilidades do computador, o software reduziu as competências do “humano imitado”: o programa se fazia passar por uma criança do leste europeu, cujo inglês não era fluente.

O futuro já começou
Polêmicas à parte, nossa vida está totalmente conectada a dispositivos digitais, sistemas computacionais, algoritmos e inteligência artificial. Confira algumas ideias frequentemente discutidas e que, se um “novo” Alan Turing der um ajudinha, podem até se tornar realidade nos próximos anos.

Assistentes pessoais
Siri, Cortana, Tina. Elas já são uma realidade nos principais smartphones e substituem os sábios conselhos de mãe sobre levar ou não um casaquinho, e até podem ser um ombro amigo para os momentos de solidão. Sucesso mais pelo lado cômico do que funcional, esses ajudantes virtuais vão se desenvolver ainda mais. Será que HAL, o computador de avançada inteligência artificial e um tanto maquiavélico de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, pode se tornar uma realidade? Ou vamos acabar nos apaixonando por Samantha, do fime “Ela”?

“Estamos em uma era pacífica, mas é difícil prever o futuro. O próprio Stephen Hawking já deu cenários um tanto sombrios sobre o assunto, e é difícil ignorar qualquer análise que venha dele”, alerta o professor Schechter.

Dados, dados e mais dados
Se a internet é um grande universo de dados, a inteligência artificial vai trabalhar pesado para realizar leituras muito mais eficientes e inteligentes de suas preferências.

Se hoje você já se surpreende com a competência do Netflix ou do Spotify, que sabem muito bem do que você gosta para sugerir um conteúdo, não se assuste se, daqui alguns anos, alguém (bem adequado às suas preferências) bater à sua porta trazendo aquele doce maravilhoso que você apenas acabou de pensar.

Mordomia, por favor!
Essa é uma das tendências que também já virou realidade com o conceito de Smarthome e a conectividade dos gadgets. Afinal, quem não adoraria chegar em casa depois de um longo dia de trabalho, encontrar o jantar pronto, a cama com os lençóis trocados, a roupa lavada?

“O maior desejo das pessoas é mordomia. Fazer tudo verbalmente, sem precisar encostar em mais nada. O futuro é computadorizado e interligado”, aposta Schechter.

Forever young!
Ah, o eterno desejo humano de se tornar eterno. Enquanto a medicina trabalha para prolongar ainda mais a nossa expectativa de vida e até mesmo burlar a morte, a ciência dos computadores pensa se é possível transferir a mente de um humano para um robô.

“Particularmente, não acredito nisso. O cérebro humano processa as informações completamente diferente e de forma muito mais complexa do que um cérebro eletrônico”, diz o professor da UFRJ. Mas, se você curtiu essa ideia de se eternizar na carcaça de um robô, vale a pena assistir ao futurístico – e também engraçadinho – Chappie. Será que um dia chegaremos lá (e será que é isso mesmo que queremos)?

Fonte: http://revistagalileu.globo.com/

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