Por que muitas fusões não dão certo?

Com a divulgação recente das fusões entre Procter & Gamble e Gillette, e SBC e AT&T, é hora de fazer uma das mais perguntas mais comuns sobre fusões: o que é preciso para que uma empresa seja bem-sucedida depois da fusão?
Afinal de contas, muitas fusões, em última análise, não geram valor para as empresas, resultando inclusive em danos sérios. “Estudos indicam que diversas empresas não produzem resultados positivos depois da fusão”, diz Robert Holthausen, professor de Contabilidade da Wharton e de cursos de estratégias em F&A (Fusões e Aquisições). Holthausen ressalta que há “centenas de estudos” feitos sobre os resultados de longo prazo das fusões. Segundo essas pesquisas, a proporção de maus resultados gira em torno de 50% a 80%.
Martin Sikora, professor de Gestão e editor de Fusões e Aquisições: diário do negociador, concorda. “As empresas se fundem e acabam fazendo negócios em larga escala, com maior poder econômico”, disse. “O importante, porém, é saber se a fusão lhes deu vantagem competitiva ou maior poder econômico. O preço das ações acabará refletindo isso”. E acrescenta: “A verdade é que erros acontecem. Os dados disponíveis mostram que a maior parte das fusões e aquisições não são bem-sucedidas”.
 “O que deu errado?”
De acordo com Sikora, os problemas com que as empresas deparam nos casos de fusões vão desde ações estratégicas mal concebidas, como aquisições a preços exageradamente altos, até eventos não previstos, como a obsolescência de uma determinada tecnologia. “Todo mundo espera que a empresas façam a devida diligência (due diligence), embora nem sempre seja esse o caso”, diz.
Contudo, excetuando-se estes extremos, muitos analistas vêem o conflito de culturas nas empresas como um dos obstáculos mais significativos à integração, passada a fusão. Na verdade, existe toda uma indústria amadora e de qualidade duvidosa cujo objetivo é ajudar as empresas a navegar pelo terreno acidentado da integração — sobretudo para ajudá-las a vencer a inércia interna resultante das mudanças com que se deparam.
“É como trocar pneu de ônibus”, diz Cari Windt, da Access GE, que oferece as melhores práticas da GE a clientes de empresas em processo de fusão e aquisição. “O cliente precisa entender que tudo tem uma hora certa”. Windt explica que quanto mais cedo uma empresa planejar, melhor. Muitas vezes, porém, elas não planejam tanto quanto deveriam: “Raramente as empresas trabalham no desenvolvimento de soluções de qualidade, que facilitem a aceitação das fusões”.
Harbir Singh, professor de Gestão da Wharton com um vasto trabalho na área de fusões, observa que o fator crítico de distinção entre o sucesso e o fracasso de uma fusão consiste na percepção de objetividade por parte dos executivos — trata-se de uma “perspectiva realista”, que precisa ser cultivada desde o momento inicial da transação até o final do processo de integração. O perigo, ao que parece, é que os executivos podem “se apaixonar” pela idéia da aquisição, querendo que ela funcione de qualquer jeito.
Sikora concorda. “O mais importante é saber se o acordo foi estrategicamente bem concebido. Se foi, grande parte das dificuldades são eliminadas logo de início.” Pessoalmente, Sikora acha que a ênfase no “ou vai ou racha” no tocante à fusão das culturas corporativas é vítima de um “exagero desmesurado”. “A integração das culturas sem dúvida é importante”, diz, “mas é sempre uma desculpa quando alguma coisa não funciona”.
“Por exemplo, quando a empresa A compra a empresa B, na verdade ela está adquirindo indivíduos.” Resultados negativos — como a demissão de funcionários na empresa a ser adquirida — não são “variáveis” e “devem ser tratados com humanidade”. As empresas podem, por exemplo, ajudar esses indivíduos a encontrar outro trabalho além de indenizá-los devidamente. Sikora defende também a comunicação clara e imediata por parte da administração de quaisquer assuntos problemáticos. “É preciso criar uma boa impressão”, diz. “Os bons funcionários abandonarão a empresa se perceberem que seus companheiros de trabalho não estão sendo bem tratados.”
A perda de bons funcionários é parte do que um colega de Sikora chama de “síndrome de fusão”. “Há uma desconfiança natural em relação à empresa adquirente, o que leva a uma reação de medo e a questões de ordem moral”, diz. Por esse motivo, muitos profissionais deixam a empresa depois da fusão, mesmo quando bem tratados. De igual modo, Sikora observa que as companhias adquirentes precisam se conscientizar da existência de uma “mentalidade bélica de conquista”. “Isso acontece com uma freqüência maior do que se supõe. Quando uma empresa adquire outra, não deve se esquecer de que os empregados da empresa adquirida são responsáveis pelo que ela é.”
“Às vezes, a ansiedade que se percebe no funcionário da empresa adquirida é infundada, às vezes, não”, acrescenta. Em muitos casos, problemas desse tipo, segundo Sikora, são interpretados como naturais em qualquer fusão — seja ela bem-sucedida ou não. “A realidade mostra que esse é o tipo de coisa que merece atenção e providências. Se não for possível administrar isso, melhor não realizar a fusão”.
 E não se esqueça do cliente
Para Sikora, a cultura corporativa é apenas uma peça a mais em um quebra-cabeças maior. “Há muita coisa a considerar”, diz ele acrescentando que grande parte do planejamento de transição acontece antes do fechamento do acordo. Tudo, desde a compreensão do significado dos obstáculos antitruste (“algumas empresas submetem de forma objetiva suas propostas de venda ao governo”, observa Sikora) a decisões sobre as instalações físicas da companhia devem ser analisadas juntamente com as questões relativas aos funcionários.
Uma parte interessada no processo, e que merece atenção, é o cliente. Para Joanna Serkowski, executiva-líder do programa da GE e com experiência em fusões e aquisições, a intensidade com que os clientes participam do plano de integração depende do grau com que os processos da empresa se integram aos consumidores antes da fusão. Uma coisa, porém, é certa: deve-se manter o cliente informado. “É preciso informar os clientes a respeito da fusão ainda na fase de costura do processo”, observa Serkowski. Com isso, a empresa mostra claramente que se preocupa com as necessidades dos clientes.
De acordo com Sikora, o cliente talvez deva ser visto como o maior interessado na empresa, devendo-se tratá-lo como tal. “Se o cliente for de grande porte, eu diria que ele deve juntar forças com os principais executivos da empresa durante o processo de transição”. E acrescenta: “No fim do dia, é isso que conta”. Como exemplo, cita uma fusão entre duas empresas de tecnologia do Vale do Silício, sendo que ambas tinham na IBM um de seus clientes principais. Quando a fusão foi anunciada, ambas perderam o negócio que mantinham com a Big Blue. “A IBM quis saber por que não foi avisada sobre a fusão”, disse Sikora. Ele sugere a utilização da equipe de vendas para manter a clientela informada, comunicando-a imediatamente sobre qualquer novidade, tendo pronta uma mensagem fundamental que responda à pergunta: “O que essa fusão fará por você?”
 É possível predizer o sucesso?
Mesmo assim, apesar do planejamento e da boa comunicação, as coisas podem não funcionar. Segundo Sikora, um terço das fusões gera valor para o acionista; um terço destrói valor e outro um terço fica aquém das expectativas.  Para os acionistas, operações desse tipo podem ser comparadas a um tiro no escuro, diz Sikora, ressaltando, porém, que o sucesso em um terço da operação pode significar um tremendo acréscimo de valor.
À parte a necessidade de um preparo sólido para o acordo, o que fazer para ficar naquele um terço bem-sucedido?
“As empresas que fazem aquisições com freqüência e fazem disso uma competência essencial do seu negócio, tendem a se sair bem e a apresentar desempenho melhor do que as demais”, assinala Sikora. Na verdade, acrescenta, a maior parte das empresas considera as fusões e aquisições como elemento essencial para a geração de valor. Ele cita a história recente das F&A como prova disso: com a difusão das atividades de fusão e aquisição na década passada, os insucessos tornaram-se menos contundentes do que em anos anteriores. Em outras palavras, mesmo quando há uma calmaria nas atividades, há mais empresas envolvidas com fusões do que em períodos anteriores de menor efervescência. No ano passado, de acordo com informações colhidas na imprensa, o volume de F&A nos EUA (US$ 886 bilhões) foi praticamente o dobro do volume de 2001 (US$ 466,5 bilhões). “A estrutura está mais do que estabelecida”, diz. “Há mais empresas preparadas para embarcar em atividades de F&A, hoje mais integradas aos negócios”.
Serkowski passou muito tempo definindo meios que pudessem ajudar as empresas a navegar com êxito pelo processo de integração. As fusões são bem-sucedidas, diz ela, quando possuem “um plano e um processo definidos” que permitem combinar  o operacional com o cultural, fazendo revisões periódicas para assegurar que  o processo esteja funcionando. “Em uma situação ideal, a integração começa antes do fechamento do acordo e antes que o dinheiro mude de mãos”.
“A integração, na verdade, tem a ver com a execução de mudanças”, acrescentou Serkowski. “A questão fundamental aqui é a seguinte: qual é a dinâmica de mudança das empresas envolvidas, e com que rapidez elas se adaptam a essa dinâmica?” Embora as empresas possam parecer semelhantes superficialmente e, portanto, sem discrepâncias, elas são com freqüência muito diferentes no tocante aos rumos da mudança a ser implementada, ao estilo de liderança, sistemas organizacionais e formas de lidar com conflitos, diz Serkowski. Além da devida diligência (due diligence), de rotina, por meio da qual é possível conhecer totalmente a empresa e a indústria adquirida, é fundamental que essas transações sejam efetuadas à toda velocidade — sobretudo no que diz respeito a coisas que possam afetar os funcionários, como demissões, alteração na concessão de benefícios, local de trabalho etc. “Decisões difíceis têm de ser tomadas logo no início do processo, para que não fiquem sem solução e comprometam a operação mais tarde.”
Um dos aspectos mais importantes do processo, segundo Serkowski, é o forte comprometimento com a mudança por parte da administração. Em primeiro lugar, é preciso que haja coerência de comunicação no tocante ao processo. O ideal, de acordo com Serkowski, é que haja um “fluxo” de comunicação com os empregados, que poderá ocorrer através de atualizações via e-mail, newsletters e visibilidade generalizada no plano da administração. Em segundo lugar, a administração deve alocar recursos para concluir com sucesso a transição. As companhias adquirentes devem considerar a possibilidade de designar um “líder de integração” para ajudar a supervisionar o processo. Segundo Serkowski, esse indivíduo seria um “embaixador multidirecional” com habilidades de liderança, capaz de “gerir o projeto de modo dinâmico” e dotado de “habilidades excepcionais no trato com as pessoas”. “Saber ouvir é fundamental”, diz ela.
O mercado fala
E quanto à recente onda de fusões? Sikora, Holthausen e outros preferem não fazer prognósticos sobre os resultados. Holthausen sugere que se acompanhem as reações negativas do mercado como um indicador importante. “Em geral”, diz, “quando as reações do mercado são negativas, as mudanças no desempenho subseqüente se acham associadas a essa reação.”
Sikora concorda: “Se a empresa adquirente se desvaloriza no dia do anúncio do negócio, isto é sinal de que o mercado não vê o acordo com bons olhos”.
Uma coisa é certa: a Procter & Gamble e a SBC têm todas as condições de levar adiante a fusão pretendida por cada uma delas. “Há quarenta anos, esse tipo de negócio era resolvido com alguns rabiscos num guardanapo, mas hoje eu diria que as fusões e aquisições não são para os espíritos fracos”, diz Sikora. “Sempre digo aos meus alunos que quando tiverem de lidar com os preparativos necessários para uma fusão qualquer, que deixem para lá as questões de prioridade e ponham a mão na massa!”
Fonte: http://www.knowledgeatwharton.com.br/article/por-que-muitas-fusoes-nao-dao-certo/

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