Aprenda a ter qualidade nos momentos de fala e escuta



Muitas pessoas falam por falar e, não, para serem escutadas.

A riqueza de informações está provocando uma pobreza da atenção. Assim, torna-se cada vez mais desafiador captar a escuta do interlocutor. Entretanto, dispomos de um aliado: ao longo dos últimos 100.000 anos, nossa mente foi “programada” para se interessar por conteúdos e absorvê-los no formato de história ou narrativa, cujos padrões foram descritos e são utilizados pelo storytelling (contação de história).

Quando duas pessoas se aproximam, suas duas histórias se encontram, e existe grande possibilidade de que uma delas se sobreponha. A fim de evitar que você se torne o vilão da história do outro, reuni algumas dicas para que ambos se sintam protagonistas. São exemplos de alguns padrões de linguagem como uma degustação daquilo que chamo de “storytelling ao vivo”.

1º - Não fale enquanto o outro não escuta!
Fato: A atenção do outro é um presente raro e precioso; quando a conseguimos, devemos alimentá-la com delicadeza, para que perdure.

1.1 Cuide das primeiras palavras

Quando conversamos pessoalmente e, ainda mais, por telefone, corremos um grande risco de que as primeiras palavras sejam desconsideradas (quem não se esquece dos nomes ou sobrenomes daqueles que acabam de nos ser apresentados?). Por isso, sugiro que você se empenhe na intensidade (não na duração) das suas primeiras falas no intuito de captar a atenção antes de entrar no assunto. Quando no telefone, pratique a regra das três interações, ou seja, faça o seu interlocutor falar três vezes antes de que o tema principal seja abordado.

Além disso, em frases longas, as primeiras palavras são aquelas que o cérebro mais facilmente descarta, para evitar a sobrecarga das suas “gavetas”, fazendo com que o interlocutor, em geral, responda a apenas um dos pontos da sua fala, frequentemente o último. A fim de evitar isso, use frases mais curtas, coloque suas ideias uma de cada vez, obtenha o feedback para cada uma delas e, assim, multiplicará as interações que constroem a conexão.

1.2 Escute a curva das emoções

Escutamos proporcionalmente às emoções que as palavras do outro evocam em nós. Se, porventura, elas provocarem fortes sentimentos, o outro percorrerá, por algum tempo, a primeira metade da conhecida curva, reproduzida a seguir, e, enquanto isso, deixará de ouvir o restante do que você diz. Por isso, aguarde que ele chegue à segunda metade, antes de continuar.



Qualquer entrave à visão de mundo do outro, a seus planos atuais ou futuros; um simples julgamento, que nos escapa, pode acionar a reação acima descrita.



1.3 Não justifique antes da hora!

Uma justificativa é um argumento que não foi pedido ou que chega antes da hora. Assim, seus argumentos podem ser ignorados ou causar desconforto, se você se explicar, sem que o outro tenha pedido, ou antes da hora (posição de defensiva). Por outro lado, como vemos no workshop de escutatória, empregada no momento adequado, a justificativa se constituirá em poderoso argumento.

1.4 Abra as “gavetas” e provoque perguntas gerando um suspense

Uma das técnicas mais simples que podemos aprender com o storytelling é recorrer a frases que criem suspense, porque não revelam o assunto, e que colocam o holofote no ponto que vem exatamente a seguir. Ela também é denominada teaser. O sinal que funcionou é quanto o outro nos faz uma pergunta, como se tivesse mordido a isca. Quando isso acontece é a prova que ele está escutando.


Moral da história: se quiser ser escutado, valorize sua fala, abra as “gavetas”, antes de colocar, nelas, a informação, criando um suspense e provocando perguntas. Para tanto, empregue frases curtas, não queime seus cartuchos antes da hora. Observe, inspire e contenha sua ansiedade: chegará o momento em que o outro dará uma prova de escuta, perguntará algo, pedirá um argumento; então, ele vai se projetar, se imaginar na ação e interagir com você. É esse o sinal de que o outro o está escutando.

2ª - Coloque o outro como protagonista, tanto quanto você!

Fato: A qualidade dos momentos de fala são consequência e resultado dos momentos de escuta.
Como na natureza, é a lei da reciprocidade que detém a primazia na comunicação. Tendemos, naturalmente, a colocar nossa história em primeiro plano e, consequentemente, o outro como personagem secundária ou um mero figurante dela. O protagonismo, de que tanto se fala, não tem valor, se não convidamos o outro a assumir esse lugar conosco.

2.1 Dê provas de escuta, interessando-se pelo outro

Dê brilho ao outro, faça-o existir por meio de seu interesse genuíno e de suas perguntas. Evite suposições e investigue as palavras dele. Entretanto, cuidado: investigue as palavras do outro e não o outro em si, evitando, assim, o risco de parecer invasivo.


2.2 Reúse as palavras do outro

As pessoas estão muito mais interessadas pelas próprias palavras, do que pelas suas. Por isso, inicie sua fala reusando as palavras exatas do outro. Construa sua narrativa, suas perguntas, sua argumentação sobre as palavras do outro. Para isso, é necessário desenvolver as técnicas de anotação, mencionadas no artigo anterior.


2.3 Coloque-se em posição de igual para igual

Para que se construa uma narrativa com duas personagens, de igual para igual, é fundamental assumir o lugar do “Eu”. Em alguns casos, sem percebermos, nos colocamos em posição inferior à do outro. Embora, na maioria das vezes, a intenção seja a melhor possível, essa conduta não permite que estejamos em condição de igualdade, necessária para a manutenção de um diálogo saudável.


Em outras situações, tendemos a nos colocar acima do outro; por exemplo, quando supomos ou generalizamos, o que, além de tudo, pode gerar polêmica. Isso também acontece quando assumimos o papel do professor (que sabe mais do que o outro) ou nos colocamos na posição de ajudar (como salvador da pátria).

2.4 Coloque o outro como sujeito da ação

O simples fato de fazer frases em que o “eu” esteja presente e, ao mesmo tempo, o outro figure como sujeito da ação (”que você [...ação...]”), representa uma diferença sutil e provoca engajamento. O “eu” provoca engajamento, é o sinal de que assumo minha responsabilidade, evitando terceiras autoridades ou frases impessoais. 


Moral da história: Faça com que seu interlocutor e você se sintam protagonistas de uma história criada a quatro mãos, colocando o outro como sujeito da ação (padrão de linguagem = “...que você + verbo”). Dê um lugar de destaque ao outro, faça-o existir por meio de suas perguntas e do seu interesse genuíno. Reúse as palavras exatas dele. Ao mesmo tempo, cuide para falar de igual para igual.

Conclusão

Existem muitos motivos para o outro não nos escutar. O interessante é perceber o quanto essa situação depende de nós.

Como em muitas outras áreas da vida, aqui, impera a lei da reciprocidade: ofereça sua escuta e use padrões de linguagem que provocam aproximação para, depois, receber a escuta do outro.

Fonte: 
Thomas Brieu
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