Os desafios da sustentabilidade em grandes cidades

A densidade demográfica em pontos específicos do globo não deixa dúvida: o homem, por escolha, optou por áreas urbanas. É lá que estão as melhores oportunidades de emprego, saúde, cultura e lazer - e os maiores problemas. O desafio do momento é transformar esses grandes centros em locais sustentáveis e agradáveis de viver

Ana Paula Severiano

Foto: Heitor Hui

Foto: Heitor Hui

Ao contrário das cidades antigas, que eram muradas para evitar o ataque inimigo, as metrópoles de hoje crescem sem limites. Desde 2007, mais da metade da população mundial está na zona urbana. A rapidez com que a migração ocorreu impressiona. No começo do século 20, nove em cada dez pessoas ainda moravam no campo. Mas, a partir da década de 1950, o cenário mudou. "As cidades absorveram quase dois terços da explosão populacional global e hoje o crescimento é de 1 milhão de bebês e migrantes por semana", afirma Mike Davis, professor da Universidade da Califórnia, no livro Planeta Favela

Tóquio, Nova York, Mumbai, São Paulo, Moscou, Cairo, Xangai: essas são algumas das cidades com mais de 10 milhões de habitantes definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) como megacidades. "Elas articulam a economia global, ligam as redes informacionais e concentram o poder mundial", diz o cientista social Manuel Castells. Por isso, há tanta gente vivendo no mesmo espaço. É nas regiões mais urbanizadas que se encontram as melhores oportunidades de emprego e renda, bem como de acesso a Educação, saúde, lazer e cultura. Mas nessas aglomerações há também os maiores desafios de gestão socioambiental. 

Os problemas de um habitante de São Paulo são diferentes dos enfrentados por um morador de Londres. Nos países desenvolvidos, o desafio é encontrar fontes de energia alternativas para substituir os combustíveis fósseis. Na esfera social, inquieta o crescimento de periferias formadas por imigrantes ilegais. Nos países em desenvolvimento, as questões são mais básicas. "Aqui, precisamos discutir o destino do lixo e do esgoto domésticos e a qualidade do transporte público. Também temos de debater a falta de áreas verdes e a questão das moradias em locais irregulares", diz Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Lá ou cá, o objetivo é o mesmo. "Na construção de cidades sustentáveis, colocamos centralmente o resgate de melhores condições de vida prejudicadas pelo crescimento desordenado", diz Marta Romero, urbanista e professora da Universidade de Brasília (UnB).

Construindo novos valores
A discussão sobre a sustentabilidade deverá, no futuro, resultar em mais organização e mobilização da sociedade civil. A escola, no entanto, ainda não cumpre bem o papel de sistematizar essas informações e promover a reflexão crítica. Veja abaixo os principais erros no ensino do conteúdo e como evitá-los. 

Errado: Propor atividades pontuais, como uma campanha de reciclagem de latas.
Certo: Cabe à escola promover a mudança dos hábitos não sustentáveis, buscando aprimorar as relações das pessoas entre si e com o meio ambiente. 

Errado: Restringir o tema às aulas de Geografia ou Ciências. 
Certo: Uma escola que adota práticas sustentáveis precisa envolver toda a equipe na mudança de hábitos para desenhar seu "ecossistema". 

Errado: Impor ações aos alunos sem promover discussões sobre o tema com base no conhecimento científico. 
Certo: Crianças e jovens que são informadas e participam das decisões no ambiente escolar têm mais chance de cobrar o poder público e promover ações ambientais. 

Errado: Ignorar as relações do contexto local com o global. 
Certo: Focar a prática da escola na reflexão e na proposta de soluções para os problemas da comunidade, mas relacionando-os ao ecossistema global. 


É do século 18 a ideia de manejo florestal sustentável
Foto: Alexandre Battibugli
FIM DO TRÂNSITO As metrópoles têm um grande desafio que demanda umamudança radical de perspectiva: elas não devem mais ser planejadas para os carros, mas para os pedestres. Essa é uma boa forma de recuperar o bem-estar, prejudicado pelo crescimento desordenado. Foto: Alexandre Battibugli

A palavra sustentabilidade está nas campanhas publicitárias, é escrita com letras grandes na bolsa de pano que substitui a sacola plástica na hora das compras e repetida nos discursos de empresários e políticos. O engenheiro florestal alemão Hans Carl von Carlowitz foi o primeiro a empregar o termo (originalmente,nachhaltigkeit), no livro Silvicultura Econômica, de 1713. Na época, as florestas de sua região, a Saxônia, foram devastadas pela exploração de minas de prata: os terrenos tinham sido desmatados para escavação, e a madeira, utilizada nos fornos a lenha em que se fundia o metal. Carlowitz trabalhava como inspetor geral de mineração do estado e em seu livro sugeriu um manejo florestal sustentável para garantir o estoque de madeira no futuro. Na visão do inspetor, os homens deveriam respeitar o limite de recuperação da floresta e o ritmo de crescimento das árvores para não provocar danos irreparáveis. Ele propunha o replantio de espécies nativas e a substituição da madeira por recursos alternativos. 

No fim dos anos 1960, outra palavra começou a mudar de significado: desenvolvimento. Em 1968, cientistas, industriais, diplomatas e economistas sem vinculação partidária se reuniram em uma vila de Roma, na Itália, para discutir a relação entre recursos naturais e desenvolvimento. Esse grupo ficou conhecido como Clube de Roma. Em seu primeiro relatório, Os Limites do Crescimento, de 1972, o Clube já advertia que o modelo de progresso baseado no uso irracional dos recursos naturais estava falido. Ou seja, desenvolvimento não poderia ser sinônimo apenas de crescimento econômico. No mesmo ano, a ONU realizou a Conferência de Estocolmo, a primeira reunião internacional para discutir o meio ambiente. Mais de uma década depois, em 1983, criou-se a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas. 

Em 1987, a expressão "desenvolvimento sustentável" foi definida no relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Segundo o documento, "desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem colocar em risco a possibilidade das gerações futuras".


Eco-92 inclui redução da pobreza na ideia de sustentabilidade
Foto: Joel Rocha
QUALIDADE DE VIDA A recuperação deuma cidade passa pela despoluição de rios e pelo aumento de áreas verdes e de lazer. Essas são soluções recorrentes em metrópoles que encontraram formas de fazer dos ambientes públicos locais agradáveis de convivência. Foto: Joel Rocha

O impacto do Relatório Brundtland e a organização cada vez maior dos movimentos ambientalistas culminaram na Conferência Eco-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro. A Agenda 21, que sintetiza as propostas da conferência, é um marco porque consagrou a ampliação do conceito de sustentabilidade, que passou a agregar as dimensões social e econômica. Desde a Eco-92, a sustentabilidade não significa apenas usar de forma consciente e eficiente os recursos naturais. "Sustentabilidade é também redução dos níveis de pobreza, criação de emprego e renda, redução das desigualdades e da violência e democratização das informações e decisões", explica a socióloga Lúcia Ferreira, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Quando a discussão sobre a qualidade de vida nas áreas urbanas ganhou força, em meados da década de 1970, pensava-se que o único jeito de minimizar os impactos ambientais e os problemas sociais era impedir o crescimento das cidades. No entanto, as tentativas de manter as pessoas no campo, por razões econômicas e culturais, foram frustradas. Para Lúcia Ferreira, as cidades são indiscutivelmente polos de atração. "Mas mandar as pessoas de volta a seus locais de origem não resolve. É o momento de rever as políticas públicas", diz. 

Não há uma receita para o sucesso, porém boas práticas adotadas no Brasil e no exterior indicam que, sim, é possível escapar do colapso (veja o infográfico). Para isso, os gestores devem entender as cidades como organismos que precisam entrar em equilíbrio: "O consumo de recursos renováveis não pode exceder a capacidade de reposição deles. Assim como a taxa de emissão de poluentes não pode superar o ritmo de absorção e transformação por parte do ar, da água e do solo", diz Marta. 

O arquiteto Carlos Leite, especialista em desenvolvimento sustentável, é otimista (veja artigo na última página). Há mais de dez anos, ele viaja o mundo para conhecer alternativas sustentáveis em lugares separados não apenas pela distância geográfica mas também pelas diferenças culturais. Para ele, as cidades ideais não existem. "Elas são feitas por homens e refletem os problemas dos homens. Mas existem exemplos que evidenciam ser possível mudar e achar as fórmulas para construir cidades mais sustentáveis, onde o encontro das pessoas entre si e com o ambiente seja privilegiado."


A resposta das cidades
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Carlos Leite 
Arquiteto, pós-doutorado em Desenvolvimento Urbano pela Cal Poly University e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie 

Há 100 anos, apenas 10% da população mundial vivia em áreas urbanas. Atualmente, passamos de 50% e até 2050 seremos mais de 75%. A cidade é o palco de todas as trocas, dos grandes e pequenos negócios à interação social, e o lugar em que a cultura abrange e interliga as nações de todo o planeta. Nela também crescem as favelas e o trabalho informal. Estima-se que dois em cada três habitantes vivam em áreas desse tipo ou em sub-habitações. Nesse contexto, emergiram as megacidades do século 21, que concentram mais de 10 milhões de habitantes, cada uma. 

Em época de imperativa preocupação com o desenvolvimento sustentável, é de destacar que dois terços do consumo mundial de energia se deem nas cidades, que são responsáveis por aproximadamente 75% de todos os resíduos gerados. Portanto, ao tratar de aquecimento global, é necessário falar de cidades mais sustentáveis. 

O grande desafio estratégico do momento são as metrópoles. Se elas não funcionam bem, o planeta se torna inviável. Porém metrópoles contemporâneas compactas, como as capitais dos países escandinavos, propiciam o maior desenvolvimento sustentável. A razão é esta: elas concentram tecnologia e novas oportunidades de crescimento e geram inovação e conhecimento. Eis o grande desafio apresentado a grandes cidades. Elas são o futuro do planeta urbano e devem ser vistas como oportunidades e não como problema. Virão delas as respostas para um futuro verde. As melhores são as que sabem se renovar e funcionam como um organismo. Quando adoecem, se curam, mudam. O caminho é refazê-las, em vez de expandi-las, compactá-las, deixá-las mais sustentáveis e transformá-las numa rede estratégica de núcleos policêntricos compactos e densos. 

As cidades desenvolvidas são as cidades sustentáveis, inclusive socialmente. Mais verdes e inclusivas. São normalmente as mais antigas, pertencentes aos países ricos. Ali os maiores dramas já foram resolvidos e agora há oportunidade e recursos para a implementação de melhorias que megacidades emergentes, como São Paulo e Xangai, ou países subdesenvolvidos, como Nigéria e Senegal, estão muito longe de poder buscar. É muito mais urgente para São Paulo, por exemplo, direcionar esforços e recursos para regenerar territórios centrais e dotá-los de habitações construídas rapidamente por meio de sistemas industrializados do que se preocupar com a arborização e o mobiliário urbano de bairros ricos. Não há cidade sustentável sem a desejável sociodiversidade territorial.


Consultoria Lúcia Legan, fundadora do Ecocentro do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec), e Marcos Sorrentino, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/



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