As concepções de linguagem para o ensino da língua portuguesa


Os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo isso, depende da opção política do professor, o que determina toda a metodologia que permeia sua aula.
Para facilitar a escolha de qual postura o professor deseja adotar, Geraldi (1984) propôs questões que devem ser previamente consideradas antes de assumirem uma concepção de ensino-aprendizagem.
“Para que  ensinamos o que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças aprendem o que aprendem?”
Para responder a esses questionamentos, o professor deve ter consciência de sua postura educacional e adotar uma concepção de linguagem de acordo com a metodologia que deseja assumir.
Geraldi (1984, p. 41) expõe três concepções de linguagem:
  • A linguagem é a expressão do pensamento;
  • A linguagem é um instrumento de comunicação;
  • A linguagem é uma forma de interação:
Vamos ver as características de cada uma das concepções:
1. Linguagem como expressão do pensamento
Nesta concepção, temos a fala como a tradução do pensamento, a expressão é totalmente individualizada sendo produzida no interior da mente do indivíduo, não recebendo influência alguma do mundo, a não ser da norma prescrita pela gramática tradicional.
Esta concepção é a mais antiga de todas. De acordo com ela, a maneira de falar dependerá da organização lógica do pensamento do indivíduo por meio de uma linguagem articulada e organizada. Para que esta organização aconteça são necessárias regras que possibilitam o falar e o escrever “bem”.
E quais são essas regras?
São as gramáticas normativas.
Essa concepção reflete uma visão preconceituosa, por quê?
Para essa concepção “as pessoas não se expressam bem porque não pensam” (TRAVAGLIA, 2005, p. 21)
E para essa concepção, o que é se expressar bem?
 Expressar-se bem, de acordo com essa concepção, é se expressar conforme as regras da gramática tradicional.
Você concorda com isso?
Veja  bem: se uma pessoa tem problemas em se expressar oralmente, quer dizer que é por que ela não pensa bem?
Reflita sobre isso. Você acha correto pensar assim?
Até há alguns anos atrás o ensino de Língua Portuguesa se dava por meio da imposição das normas gramaticais, sobretudo da norma de modelo europeu. O ensino era prescritivo, imposto aos estudantes. Porém, infelizmente, alguns professores ainda pregam essa imposição aos seus alunos.
No site:
você poderá encontrar mais discussões sobre o ensino prescritivo, além de poder ter contato com mais uma reflexão sobre esse modo tradicional de ensinar.
Até quando esta concepção permeou o ensino de língua materna no Brasil?
Essa concepção permeou o ensino de língua materna no Brasil até o final da década de 60, embora repercuta no ensino, infelizmente, até hoje.
O que era ensinado?
O eixo da progressão curricular e dos manuais didáticos eram os itens gramaticais e, apesar do surgimento de inovações teóricas lingüísticas e educacionais, apresenta-se, ainda, prática acentuada nas escolas de ensino fundamental e médio. Desta forma, o ensino de conteúdo gramatical quase sempre é desvinculado das atividades de leitura e produção textual.
Em relação às atividades de leitura, a escolha dos textos se davam pela necessidade de o educando entrar em contato com textos-modelo, reveladores do emprego adequado da linguagem, na arte de bem falar e, depois, do bem escrever. Além disso, o objetivo primeiro das atividades de leitura era exercitar a oratória e a interpretação é entendida como única, dada pelo mestre (hoje, certamente, substituída, em grande parte, pelas respostas, colocadas pelo autor dos livros didáticos, no Manual do Professor).
A leitura “continuava, basicamente, ensinada-aprendida como um ato mecânico (a memorização e a combinação de letras e som).
E a produção textual?
Veja: se pensar bem, de acordo com normas e princípios gramaticais, permite ao indivíduo falar bem, pela mesma razão o sujeito irá transpor tais regras e princípios adequadamente  para o papel, na produção escrita.  Essa era a concepção da época. Assim, para essa concepção, a produção de texto deveria reproduzir os modelos canônicos (dos autores mais renomados), os quais tinham um cuidado excessivo com a forma.
Assim, por muito tempo a reprodução foi priorizada no ambiente escolar, visto que se privilegiavam os textos literários e, até, os sacros como modelos de erudição a serem seguidos.
2. Linguagem como instrumento de comunicação
Esta concepção, linguagem como instrumento de comunicação, é constituída pelas idéias estruturalistas, as quais defendem ser a linguagem  constituída por um sistema de códigos, conjunto de signos que se combinam conforme regras, que permitem a transmissão de mensagens. Segundo Travaglia (2005), esses códigos devem ser dominados pelos falantes para que a comunicação aconteça.

Quer saber mais sobre o estruturalismo? Acesse o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Estruturalismo


Langue/Parole(Língua e Fala)e com isso a Lingüística ganha um objeto específico, a Língua.
Saussure, o percussor do estruturalismo, enfatizou a idéia de que a língua é um sistema, ou seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um todo coerente. À geração seguinte coube observar mais detalhadamente como o sistema se estrutura: daí o termo “estruturalismo” para designar a nova tendência de se analisar a língua.
Para essa concepção, a língua é um sistema articulado, ou seja “estabelecemos comunicação porque conhecemos as regras da gramática de uma determinada língua” (COSTA, 2008, p. 115). Porém, deixamos claro que essas regras não são as instituídas pelos gramáticos, mas sim as internalizadas pelos falantes, manifestadas na fase de aquisição da linguagem, adquiridas por meio do contato social.
Os interlocutores e a situação de uso como determinante das unidades e regras que constituem a língua, não são considerados. (TRAVAGLIA, 2005). Por esse motivo, nesta concepção, o indivíduo foi afastado do “processo de produção, do que é social e histórico da língua” (TRAVAGLIA, 2005, p. 22).
As funções, nesta concepção, são projetadas para a comunicação. Existem uma série de elementos que possibilitam a comunicação. Veja quais são em: http://educacao.uol.com.br/portugues/ult1706u16.jhtm
No Brasil, verificamos que esta concepção influencia a pedagogia tecnicista, a qual é decorrente do processo de industrialização iniciado no governo de Getúlio Vargas. A educação é vinculada a industrialização. O ensino deveria estar voltado à qualificação para o trabalho”.
3. Linguagem como processo de interação
 A última concepção, a qual defendemos, é aquela que vê a linguagem como processo de interação, privilegiando o coletivo.
“Nessa concepção o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mais sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”  (TRAVAGLIA, 2005, p. 23).
O que essa concepção enfrenta?
 O normativismo e o estruturalismo. À nomenclatura daria-se a função de ferramenta para a compreensão da prática textual.
Essa concepção é baseada nos conceitos bakhtinianos. Veja mais sobre Bakhtin em:
Para Bakhtin (1995), não é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental. Nesse sentido, há toda uma evolução histórica e social por meio da interação entre os falantes. Se a linguagem fosse simplesmente uma nomenclatura para um conjunto de conceitos universais, seria fácil traduzir uma língua para outra, porém cada língua articula ou organiza o mundo de maneira diferente por meio de sua cultura.
Neste sentido, a língua só tem existência na interlocução e no interior do seu funcionamento, o que é possível observar por meio da análise dos gêneros discursivos. O ensino por meio dos gêneros possibilita desmascarar as relações de poder existentes nos mais variados textos. O aluno passa a perceber que ler ou produzir um texto não é mais uma atividade mecânica, mas sim um diálogo entre os interlocutores.
Importante:  O gênero, antes de ser um conceito, é uma prática social e por isso deve orientar a ação pedagógica, levando o aluno a ter um contato real com múltiplos tipos de textos que circulam socialmente.
Como deve ser a linguagem do ponto de vista interacionista?
Deve ser considerada dialógica, pois o sujeito ao enunciar algo sempre provoca uma resposta, uma réplica.
E a gramática? Como é ensinada?

Segundo Marchezan (2005), os diálogos em relação a sua complexidade e dinamicidade, passam por processos de gramaticalização, socialmente reconhecidos, os quais são obedecidos, recriados. Nesse sentido, conforme explica a autora, formas gramaticais consagradas  na aprendizagem são ensinadas na representação do diálogo, entendendo, nesse caso, diálogo como qualquer tipo de texto que produza e instigue a reação do outro, conforme a visão bakhtiniana.
Assim:
O professor deve propiciar situações de aprendizado, cujo conhecimento seja construído. Ao trabalhar com textos, deve-se deixar de lado aquele estudo no qual o papel principal do aluno era decodificar o que estava escrito e somente responder o que o professor queria ouvir, ou ainda, dar as respostas segundo o material didático exigia.
Ler um textos deve permitir ao aluno estudar as estruturas de dominação, os grupos que detêm a hegemonia, seja por meio do capital, quanto por meio do poder autoritário e, por conseguinte, apreender as situações concretas que o permeia.
O professor deve levar o aluno a questionar o texto.
O aluno deve ser capaz de responder, de falar o que pensa, de ir contra ou a favor, enfim, de construir, por meio da interação e do diálogo, seus próprios conceitos.
Questionamentos que devem ser instigados na leitura de um texto: a intenção do autor ao escrevê-lo, com quem interage, qual a ideologia que o perpassa, quais as relações de poder e as estruturas hegemônicas que o permeiam, enfim, perguntas que permitirão aos alunos conhecerem o contexto de produção e, conseqüentemente, serem capazes de analisar como a linguagem se arquiteta.
Produção textual
Um dos problemas que ocorre na produção textual é que, muitas vezes, o aluno escreve sem saber para quem ou para que escreve. Sua resposta, que é produzida por meio da fala ou da escrita, muitas vezes é passiva, considerando-se o discurso autoritário do professor. O aluno, nesse caso, é um mero reprodutor do discurso alheio, voltando assim aos métodos tradicionais de ensino, no qual cabia ao discente ser apenas um escriba.
Assim, o trabalho com a produção textual deve permitir ao aluno expor realmente o que pensa, por meio de atitudes dialógicas, nas quais interage com os colegas, com o professor, enfim, com o mundo em que vive.
E o professor?
O professor, de acordo com os PCN’s (1998) deve “assumir o papel de informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos prioritários em função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades de aprendizagem”. Contudo, o aluno deve ser capaz de utilizar a língua de vários modos. Desta forma, ao contrário das concepções anteriores, a concepção que privilegia a interação não forma “robôs”, que reproduzem uma norma imposta pela elite, mas sim permite ao aluno se tornar um cidadão capaz de interagir com o mundo de forma reflexiva e consciente.
Chegamos ao final de mais uma aula! Espero que tenha compreendido que nós, educadores, devemos nos apropriar de métodos que possibilitem aos alunos interagirem com o mundo em que vivem, a refletirem, a serem sujeitos conscientes. Nosso papel é muito importante para formamos indivíduos que sejam capazes de dialogar com a sociedade e, assim, poderem opinar, criticar, enfim, saberem seus direitos e deveres como cidadãos.
Fonte: UNOPAR
REFERENCIAS
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BAKHTIN, Mikhail. Tema e significação da língua. In: ______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Editora Hucitec: São Paulo, 1995.
BAKHTIN, Mikhail. A interação verbal. In: ______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Editora Hucitec: São Paulo, 1995.
BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. 4º ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares Nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília : MEC/SEF, 1998.
CAMACHO, Roberto G.A variação lingüística. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Subsídios à proposta Curricular de Língua Portuguesa para 8ª,1º e 2º anos. Coletânea de textos. São Paulo: SE/CENP, 1988, v. 1, 53-9, p. 29-41.
COSTA, Marco Antonio. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org). Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, 2008.
FARACO, Carlos Alberto. Lingüística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. 300p.
GERALDI, João Wanderley. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: ______. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1984.
MARCHEZAN, Renata. Diálogo. In: BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005
SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica: 2004.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 10ª ed. São Paulo, Cortez, 2005.

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