Respeito à diversidade

Reflexões sobre o ensino para todos 

Maria da Paz Castro


Maria da Paz Castro. Victor Malta
Maria da Paz Castro Professora, coordena o Núcleo de Práticas Inclusivas da Escola da Vila, em São Paulo

A escola é, por excelência, espaço promotor de desenvolvimento, aprendizagem e inserção social de todas as crianças. Prepará-las para viver em grupo e usufruir de seus direitos de cidadão de forma ética é responsabilidade de toda a sociedade, e não apenas das famílias e dos professores - sobretudo, em se tratando daquelas que, por algum motivo, se encontram em situação de desvantagem. Construir na escola um ambiente onde a presença da diversidade seja o reflexo da sociedade em que ela se insere, considerando as diferenças como aspectos enriquecedores no processo formativo de cada um, esse, sim, é o maior desafio de nossa comunidade educativa. 


O grande número de trabalhos que mostra a preocupação com a formação integral desses alunos, recebidos por ocasião do 17º Prêmio Educador Nota 10, realizado no ano passado, deixa claro os avanços que a Educação no Brasil como um todo vem fazendo no sentido de reconstruir a escola, transformando-a em um espaço formativo para todos. Trata-se de um processo que teve seu início há bastante tempo, ainda nos anos 1980, com a discussão acerca da pertinência da presença dos alunos com deficiência nas escolas. Vencida essa etapa - o que foi possível por meio da mobilização de diversos setores da sociedade, como educadores, profissionais da Educação e da saúde, movimentos de pais, entre outros -, pudemos nos concentrar na busca da melhor maneira de atender a cada um deles; e são também evidentes os avanços das escolas nesse sentido. 



Mesmo tendo a certeza de que esse processo se encontra ainda em um estágio bastante inicial, é possível encontrar hoje, em um grande número de instituições, alunos que apresentam diferentes formas de desvantagem usufruindo o direito de estar onde todas as crianças estão: na escola. Aprendendo. Podemos atribuir essa realidade relativamente nova a diversos fatores, como a presença de professores de apoio e de intérpretes, adaptações que viabilizam o acesso à escola e aos conteúdos, a existência de salas de recursos, a oferta de programas de formação de professores, entre outros. Mas o elemento determinante desse avanço se encontra no fato de as crianças ingressarem nas escolas, explicitando, a cada dia, para nós, os verdadeiros problemas a ser enfrentados. 



Foi também o ingresso dos estudantes que, de alguma forma, deu voz ao professor e trouxe à luz suas contribuições nesse processo, que merece maior credibilidade - uma vez que tem sua origem na sala de aula e nas questões reveladas pelo fazer educativo. Ainda que seja necessário contar com as contribuições de alguns especialistas como terapeutas, psicopedagogos, psicólogos e outros mais, não podemos perder de vista a formação, a competência e a necessária soberania do professor nas situações que implicam tomadas de decisões, quando se trata de traçar um plano de escolaridade que requer algum tipo de personalização. É preciso que a ele seja atribuída a responsabilidade de formar e ensinar a todos os alunos, com auxílio importante dos profissionais especialistas, e compondo com eles uma rede de apoio e sustentação da escolaridade, quando isso se fizer necessário. Ainda que nem sempre seja convocado a opinar nas tomadas de decisão sobre os estudantes e na construção de políticas públicas que tratam da escolaridade deles, o professor deve fazer uso e confiar em toda sua formação e na experiência que a prática docente lhe ofereceu. Faz-se necessário relembrar que o educador é, antes de tudo, um grande especialista em aluno. E aluno é o título que as crianças com deficiência recebem no momento em que se matriculam na escola, assim como seus colegas.


Currículo e estratégias de ensino 


São muitos os desafios que professores e coordenadores pedagógicos enfrentam: a inserção de cada criança em seus grupos e na escola, as relações entre elas, a gestão da sala de aula levando em conta a diversidade, o respeito às diferentes formas de aprender, a comunicação do trabalho às famílias, entre outros. Nossa tarefa maior, porém, encontra-se no compromisso que firmamos com a aprendizagem e na necessidade de olhar e conhecer cada um de maneira individual e todos ao mesmo tempo, tendo sempre em vista o encontro de possibilidades comuns e singulares de construir conhecimentos. 



Um importante instrumento para o qual o professor deve lançar o seu olhar é o currículo, em que encontramos as principais diretrizes do trabalho de cada série, os conteúdos, os objetivos e as ações didáticas que se mostram eficientes para a maioria dos alunos. Sabemos, porém, que nem todos respondem às intervenções didáticas da mesma maneira e, sendo assim, alguns deles requerem propostas diferentes daquelas que se costuma planejar e fazer para a maioria. Munido de sua formação e sua experiência em sala de aula, o professor sai em busca de estratégias que possibilitem a aprendizagem de todos. Assim, os desafios enfrentados ao longo de sua vida no exercício da prática profissional outorgam a ele a capacidade e a competência de construir um repertório cada vez maior de estratégias e ajustes para potencializar a aprendizagem. 



Nem sempre, no entanto, esses ajustes e regulações, já bastante familiares na rotina da sala de aula, serão suficientes para atender a todos, uma vez que algumas crianças nos apontarão a necessidade de realizar modificações maiores e mais significativas. É nesse momento que, na escola que pretende ser para todos, o professor coloca em jogo e faz uso de toda sua experiência, e o currículo, por sua vez, passa a cumprir um papel ainda maior e mais importante. Aliado à competência do professor, é ele que nos oferece os parâmetros necessários para que seja possível lançar mão de ações específicas e individuais, sem deixar de preservar as principais características e objetivos da aprendizagem de cada disciplina ou série. Como nota a educadora Rosa Blanco: "Responder à diversidade significa romper com o esquema tradicional em que todas as crianças fazem as mesmas coisas, na mesma hora e com os mesmos materiais" (Rosa Blanco apud Coll, 2005). 



São muitas as estratégias das quais a escola pode lançar mão para garantir o acesso de todos ao currículo. Entre elas, relativizar o grau de exigência em algumas atividades, transformar o ambiente e/ou o material didático - aumentando o espaço entre linhas de cadernos, utilizando o computador, ofertando um lápis mais adequado às possibilidades motoras do aluno -, selecionar conteúdos elementares de determinadas disciplinas ou de todas elas, oferecer mais tempo para que realizem as atividades, prestar atendimento individualizado em certos momentos, oferecer atividades extras e até eliminar conteúdos que se mostrem distantes das possibilidades desses alunos.


Considerar metas possíveis 


As escolhas do professor neste sentido vão depender sempre das possibilidades que cada um apresenta, e não das dificuldades impostas pelas condições de desvantagem. Assim, teremos como ponto inicial aquilo que é potente no aluno, as atividades e correlações que ele se mostra capaz de fazer, propondo, a partir daí, desafios que o levem a enfrentar problemas, assim como fazemos com todos os aprendizes. Tomemos como exemplo o processo de alfabetização de um aluno que ainda não é capaz de escrever da forma convencional, cujos colegas de classe já produzem histórias com enredos complexos: fixar nossos olhares no fato de ele não saber escrever e ler não nos ajudaria tanto quanto se procurássemos saber o que ele já conhece a respeito da escrita, e aí, sim, estabelecer pequenas, mas possíveis, metas de aprendizagem. Não saber escrever nos diz muito pouco sobre ele, mas perceber que ele é capaz de escrever seu nome com apoio de um modelo pode nos apontar uma meta, que é fazê-lo sem esse tipo de apoio; ou ainda: se faz tentativas de escrever usando apenas as letras de seu nome, nos mostra que podemos ajudá-lo a ampliar seu repertório de letras conhecidas, e assim por diante. 



As transformações curriculares se apresentarão maiores ou menores, levando-se em conta a distância entre o que se propõe às crianças em situação de desvantagem e o que vem sendo oferecido ao seu grupo. No exemplo citado acima, estamos tratando de um aluno cuja competência escritora guarda uma distância significativa da de seus colegas de turma, mas só será possível enxergar objetivamente os seus avanços se o compararmos com ele mesmo ao longo do tempo, ou seja: confrontando sua produção escrita atual com aquela realizada meses antes. 



Não se trata de facilitar o ensino ou poupar essas crianças dos esforços necessários para aprender, mas buscar condições para que possam ser desafiadas, tentando que a distância do fazer e do saber entre elas e seus colegas seja a menor possível. Não estamos também, desse modo, propondo uma caminhada em busca da equiparação desses alunos com a "média da classe", nem sequer aproximá-los dela. Estamos, sim, criando possibilidades de diálogo entre os seus saberes e os de seus colegas, o que é bem possível se considerarmos não apenas aqueles conteúdos do tipo conceitual - que costumam ocupar grande parte da maioria dos currículos escolares - mas também aqueles ligados aos procedimentos, atitudes e demais competências, muitas vezes deixados de lado, embora sejam fundamentais para a formação integral dos sujeitos. Trata-se de oferecer a todos um plano de estudos que se mostre aberto e flexível, e que contemple e respeite diferentes maneiras de aprender e reapresentar os diversos conhecimentos construídos. 



Vantagens da convivência 



Mesmo nos deparando com a difícil e complexa tarefa que o ensino para estudantes com deficiência nos coloca, não podemos deixar de considerar que tão importante quanto ela é o desafio de lidar com as novas relações e os novos olhares que a presença desses alunos na escola nos impõem. Nesse caso, o foco de nossas preocupações e intervenções como professores deve se desviar da criança em questão e se voltar para toda a comunidade escolar, entendida como conjunto. Crianças, educadores, gestores, funcionários, familiares e demais sujeitos implicados na rotina da instituição passarão a conviver entre si, independentemente de qualquer característica que lhes coloquem em situação de desvantagem ou que lhes chamem a atenção. 



A presença de crianças com deficiência na escola, como vem acontecendo nos últimos tempos, é recente e, sendo assim, espera-se que a maioria das pessoas se sinta pouco familiarizada com suas características, mas isso não deve ser o bastante para considerá-las diferentes. Só a escola que é aberta a todos oferece às crianças oportunidades de conviver com os colegas com deficiência em situações em que eles têm sucesso e não são marcados pela impossibilidade e pelas necessidades de ajuda. Isso nos aponta a importância desses alunos ingressarem na escola o mais precocemente possível, compartilhando momentos de aprendizagem e brincadeiras, estabelecendo, desde muito cedo, relações e laços de afeto legítimos e crescendo ao lado dos seus verdadeiros pares, que são os colegas da mesma idade. Essa, sim, é a maior e mais importante contribuição que a escola para todos pode oferecer à sociedade. E quem nos apresenta essa possibilidade são eles: os alunos que estão em situação de desvantagem.

Resumo

O ingresso de crianças com deficiência nas escolas reforçou a responsabilidade do professor de ensinar e formar todos os alunos, com estratégias variadas que objetivam o acesso deles ao currículo. Cabe ao docente focar nas possibilidades de cada um e não em suas dificuldades. A especialista destaca a importância da escola aberta para todos, que proporciona, por meio da inclusão de crianças em situação de desvantagem, impactos positivos em toda a comunidade escolar.


Fonte; http://revistaescola.abril.com.br/formacao/reflexoes-ensino-todos-respeito-diversidade-856962.shtml?page=2

Comentários