E Se ... Getúlio Vargas não tivesse se suicidado?

Perseguido pela imprensa e acuado pela oposição, Getúlio não teria como evitar um golpe de estado e sairia do governo como vilão.

Por Evanildo da Silveira

A história do país certamente teria sido outra e é provável até que o golpe militar de 1964 fosse antecipado em dez anos. A União Democrática Nacional (UDN), partido que aglutinava as forças de oposição a Vargas e que, no dizer do historiador Jorge Ferreira, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), era liberal na economia, conservador na política, elitista na questão social e, particularmente, anticomunista e antitrabalhista, teria chegado ao poder. E pela via em que era mestra: o golpe de estado. “A UDN era ruim de voto”, afirma Ferreira. “Perdeu as eleições presidenciais em 1945 e 1950. Assim, durante todo o seu segundo governo, Vargas sofreu no Congresso a implacável oposição udenista, que se recusava a qualquer acordo ou diálogo.”
Ainda segundo Ferreira, Getúlio sairia do poder como vilão: um homem corrupto e mesquinho, que só pensava em seu poder pessoal. “Quando ele se suicidou, no entanto, sua imagem mudou de algoz para vítima, jogando o próprio cadáver nas costas dos opositores”, diz o autor de Trabalhadores do Brasil – O Imaginário Popular, livro sobre a classe operária getulista. “Surpresos, seus adversários não souberam o que fazer. Tirando a própria vida, Vargas inverteu os sinais: acusado de obsessão pelo poder, mostrou, inversamente, seu desapego.”
Nicolau Sevcenko, historiador da Universidade de São Paulo (USP), também acredita que o suicídio evitou que o presidente deixasse o governo por baixo. “Se não tivesse se matado, Getúlio sofreria tamanho linchamento moral que talvez abandonasse definitivamente a política”, diz ele. A contínua campanha de desmoralização movida contra ele pela imprensa destruiria sua reputação. “Assim, ele seria deposto por uma conjunção de forças e a UDN provavelmente faria o próximo governo, tendo o jornalista Carlos Lacerda, um dos maiores opositores de Vargas, numa posição central”, afirma Sevcenko. “Com o suicídio, ele reverteu a situação.”
Conseguiu mais. Fez com que a UDN jamais chegasse ao poder, o que vinha tentando desde 1945. Seus líderes acreditavam que, acuando e desmoralizando Vargas, conseguiriam chegar lá. Enganaram-se. Não previram a reação do presidente nem a revolta popular desencadeada com o suicídio do “pai dos pobres”. O povo foi às ruas mostrar o que sentia. “Alguns dos principais adversários de Getúlio, como Lacerda, tiveram de fugir ”, diz Ferreira. “Ele precisou se esconder num navio de guerra na Baía de Guanabara. Jornais, embaixadas e consulados norte-americanos, rádios, sedes de partidos de oposição foram invadidos e, em alguns casos, incendiados. Os golpistas tiveram que recuar. Sob esse clima de extrema indignação popular, um golpe teria sido temerário e exigiria um alto custo político.”
A ação da UDN, que levou Vargas ao suicídio, também teve como conseqüência a não-solução de muitas das questões políticas e econômicas do Brasil que ainda hoje aguardam definição. Se Getúlio tivesse conseguido concluir seu mandato, eles já poderiam estar solucionados ou a caminho disso. “São questões que dizem respeito à educação, ao acesso à terra, ao controle do sistema financeiro e a uma política externa não-aliada e voltada para a integração do continente sul-americano”, afirma André Moysés Gaio, cientista político e historiador da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, que é considerado um dos maiores especialistas brasileiros em Getúlio Vargas. “Tudo isso estava contemplado nas chamadas reformas de base do programa de governo de João Goulart, derrubado pelos militares em 1964. São propostas que já faziam parte do programa do segundo governo de Getúlio Vargas.”
Fonte:http://super.abril.com.br/

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