MEMÓRIA DOS LUGARES: UMA METODOLOGIA ATIVA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

ara entender a “memória dos lugares” é preciso compreender cada conceito de maneira distinta. Vamos começar pelo lugar. O lugar é uma categoria de estudo e análise da Geografia que, nesta webaula, será compreendido pelo viés da Geografia Humanista. De acordo com Tuan (1965), o mundo é um campo de relações estruturadas a partir da polaridade entre o eu e o outro, ele é onde a história ocorre, onde encontramos as coisas, os outros e nós mesmos, e, deste ponto de vista, deve ser apropriado pela Geografia.
Todos os lugares são pequenos mundos: o sentido do mundo, no entanto, pode ser encontrado explicitamente na arte mais do que na rede intangível das relações humanas. Lugares podem ser símbolos públicos ou campos de preocupação (fields of care), mas o poder dos símbolos para criar lugares depende, em última análise, das emoções humanas que vibram nos campos de preocupação. (TUAN, 1979, p. 421)

Os lugares, por serem resultados de construções subjetivas, não possuem padrão estético e mudam de indivíduo para indivíduo, ou seja, a construção do lugar está relacionada à identidade e à subjetividade.
Acompanhe as imagens a seguir:

Explorar o conceito de lugar no ensino fundamental, significa explorar conteúdos que possuem carga subjetiva e afetiva, sendo este um dos objetivos que a escola, o professor e também a equipe pedagógica deve promover ao fomentarem o processo de aprendizagem significativa.

Trabalhar o lugar em sala de aula com os alunos do 1º ao 5º ano é uma forma de conhecer a realidade e o espaço de convívio do cotidiano do aluno, o que o aproxima bastante da escola. A atividade a seguir - mapa mental - coloca dois objetivos: o de localização espacial e a representação pictórica do lugar.

Figura 5 | Exemplo de atividade: mapa mental: “O caminho de casa até a escola”

SAIBA MAIS
Aprofunde seu conhecimento acerca dos mapas mentais com a leitura do livro O mapa mental no ensino de Geografia: concepções e propostas para o trabalho docente de Denis Richter.
Link para leitura:
 
RICHTER, D. O mapa mental no ensino de Geografia: concepções e propostas para o trabalho docente. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/mVBXj>. Acesso em: 16 out. 2017.

LINK
Conheça um estudo de caso didático com alunos acerca do mapa mental pelo link: 
FERREIRA, K. F. C.; MELO, J. A. B.; VEIRA, M. M. P. Mapa mental instrumento didático para o estudo do lugar: experiência vivida no PIBID. Disponível em: <https://goo.gl/TQnk9d>. Acesso em: 16 out. 2017.


Leia o artigo científico: “Mapas, mapeamentos e a cartografia da realidade” do autor Jörn Seeman. Este autor compreende a cartografia como uma ferramenta de leitura de mundo que foge ao pensamento cartesiano.
SEEMAN, J. Mapas, mapeamentos e a cartografia da realidade. Geografares, Vitória, n. 4, 2003. Disponível em:<https://goo.gl/TvGugn>. Acesso em: 16 out. 2017.
Atlas escolares - Cartografia na escola 
A Cartografia nos espaços escolares em debate com professores da educação básica e do ensino superior.
Confira: <https://www.youtube.com/watch?v=1R66G-RKyW8>.  Acesso em: 16 out. 2017.

Questão para reflexão
Quão proveitoso você acredita ser o ensino a partir de mapas mentais no ensino fundamental? O aluno é capaz de realizar esse processo com autonomia ou com supervisão direta do docente?
O mapa mental é uma das formas para se trabalhar a alfabetização geográfica e também cartográfica, na medida em que o aluno passa a observar os elementos espaciais, compreendê-los e assim, representá-los.

É sabido que ao desenvolver as noções de espaço, o estudante constrói as relações topológicas elementares, projetivas e euclidianas.

√ Relações Topológicas Elementares: desde o nascimento e na interação imediata com o meio, a partir de “dentro”, “fora”, “perto”, longe”, no entanto, devemos lembrar que a criança não possui ciência sobre o espaço real.
√ Relações Projetivas: quando a criança usa o próprio corpo como ponto de referência para localizar objetos, lugares e pessoas. Com o tempo, a criança muda o referencial, e passa a ter noção de lateralidade e abstração, ou seja, consegue se localizar e utilizar os pontos cardeais.
√ Relações Euclidianas: trata-se de um processo no qual a criança já consegue realizar abstrações graduais de espacialidade. Por exemplo, “a minha casa fica à 5 ruas da farmácia ‘Viva Mais’, que se localiza na Avenida Jorge Velho”.

O aluno do ensino fundamental precisa aprender a ler o mundo, este é um dos objetivos do ensino de Geografia nas escolas.
Ao ler o espaço, desencadeia-se o processo de conhecimento da realidade que é vivida cotidianamente. Constrói-se o conceito, que é uma abstração da realidade, formado a partir da realidade em si, a partir da compreensão do lugar concreto, de onde se extraem elementos para pensar o mundo (ao construir a nossa história e o nosso espaço). Nesse caminho, ao observar o lugar específico e confrontá-lo com outros lugares, tem início um processo de abstração que se assenta entre o real aparente, visível, perceptível e o concreto pensado na elaboração do que está sendo vivido. (CALLAI, 2017, p. 16)

Quando o professor explora o espaço vivido do aluno pelo conceito “lugar”, é possível utilizar diferentes linguagens e metodologias em uma concepção de aprendizagem significativa. É preciso entender a criança, sua linguagem, seu pensamento, sua geografia e também sua complexidade.

Figura 6 | O espaço vivido, o professor e o aluno
Agora, vamos conhecer o conceito de memória. Vamos conceber a memória enquanto atual e não apenas como uma carga vinculada ao passado. A memória se produz, se vive, se emociona a partir da interação entre os grupos sociais e até a partir de uma carta, um perfume ou até mesmo um café (BOSI, 2003).
 Diferenciar memória de história é bastante importante para que o professor não confunda seus objetivos no processo de ensino e aprendizagem. Para Pierre Nora (2017), a memória é vida, evolui, está aberta à dialética da lembrança e do esquecimento. É um elo vivido no eterno presente, se alimenta de lembranças, ainda que vagas, telescopias, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas. A memória é individual e também coletiva. Lembrando que a memória é um absoluto, se enraíza no concreto, no gesto, na imagem, no objeto, na expressão, no espaço.
SAIBA MAIS
Até onde vai nossa capacidade de memória?

Ao contrário de smartphones, tablets e pen drives, o cérebro humano parece ter uma capacidade infinita. Ainda assim, muitos de nós têm dificuldade de memorizar um simples nome, aniversário ou número de telefone.

Neurocientistas, há tempos, tentam medir o quanto cabe na memória humana, mas a tarefa se torna quase impossível quando sabemos de casos em que pessoas extremamente dedicadas realizam feitos incríveis com seus cérebros.

Um deles é o chinês Chao Lu, que em 2005, quando era um estudante universitário de 24 anos, recitou corretamente os 67.980 dígitos do número Pi (π), durante um período de 24 horas, sem intervalos.

Fonte: HADHAZY, A. Até onde vai nossa capacidade de memória? BBC Future, 8 abr. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/CriQel>. Acesso em: 16 out. 2017.

LINK

Leia mais sobre Memória nas mais variadas concepções teóricas:

NORA. P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-26, dez. 1993. Disponível em: <https://goo.gl/h5LP2W>. Acesso em: 12 ago. 2017.


Entrevista com Eclea Bosi: importante autora sobre Memória.

BRUCK, M.S.  Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano. Dispositiva, v. 1, n. 2, ago./dez. 2012. Disponível em: <https://goo.gl/LeQKwC>. Acesso em: 29 ago. 2017. 

POLLACK. M. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. Disponível em: <https://goo.gl/OTAHdW>.Acesso em: 29 ago. 2017.

Em sala de aula o professor pode utilizar a seguinte atividade para trabalhar com memória e lugar:

Memória do bairro da escola
Essa atividade pode ser classificada como “Memória Viva”.

A atividade consiste na investigação do passado do bairro, as transformações ocorridas ao longo da história, quem foram os protagonistas e os marginalizados relacionados a esse processo; a função da escola no bairro, a relação da história do bairro com a do município, quem foi o(a) primeiro(a) diretor(a), os primeiros professores, alunos e funcionários da escola do bairro. Toda essa investigação deve ficar a cargo da turma.

A paisagem deve ser trabalhada nesse contexto, com destaque para as mudanças que ocorrem no espaço e podem ser analisadas pelos alunos, a partir de fotografias ou até mesmo imagens de satélite sobre a área.
 O Trabalho de Campo e a Memória dos Lugares
O trabalho de campo é uma das ferramentas pedagógicas mais interessantes para se construir os conceitos em Geografia. Por isso, sugerimos um trabalho de campo no bairro da escola, observando alguns elementos na/da paisagem como:
√ Arruamentos.
√ Tipos de poluição (nas ruas, nos fundos de vale).
√ Tipos de comércio.
√ Arquitetura das casas (se ainda há casas de madeira ou se há apenas verticalizações (prédios)).
√ Arborização das ruas.
√ Sinalização de trânsito.
√ Calçadas.
√ Tipos de transportes etc.

O importante é que se evidencie a análise da paisagem e não apenas a descrição da paisagem, já que o ensino de Geografia para o século XXI busca-se uma leitura do espaço, do lugar.

Propor ao aluno uma reflexão sobre a sua importância no espaço é fundamental para que ele se reconheça enquanto agente participante e transformador de sua realidade. Vale lembrar que o trabalho de campo no ensino de Geografia contribui em 4 dimensões:
[...] Ilustrativa, cujo objetivo é ilustrar os vários conceitos vistos nas salas de aula; motivadora, onde o objetivo é motivar o aluno a estudar determinado tema; treinadora, que visa a orientar a execução de uma habilidade técnica; e geradora de problemas, que visa orientar o aluno para resolver ou propor um problema. (PEREIRA; SOUZA, 2007, p. 4)

Figura 10 | Trabalho de campo: o aluno observador
Fonte: <https://goo.gl/6U4F1C>. Acesso em: 16 out. 2017.

É importante que, após o trabalho de campo, o professor saiba aproveitar a diversidade das informações coletadas pelos alunos e as organize para que todos tenham acesso.

Como avaliar um trabalho de campo no ensino fundamental?
E agora, depois de todo o trabalho de campo realizado pelo bairro ou até mesmo em outro local escolhido pela turma e pelo professor, vem logo a dúvida em como avaliar uma prática tão apreciada pelos alunos. Isso porque a palavra “avaliação” remete a um ato temido pelos alunos, pois é algo ainda encarado como a efetivação de um longo questionário maçante.
 Os critérios de avaliação em Geografia devem ultrapassar a esfera dos conteúdos e considerar os sentimentos, os desejos e as emoções construídos durante o processo, contribuindo, assim, para a construção significativa da aprendizagem e consequentemente do processo avaliativo.

Pode-se encontrar nas expressões artísticas um apoio ao processo de ensino e aprendizagem em Geografia. O professor pode organizar um painel com seus alunos para apresentar os resultados do trabalho de campo realizado, com fotos, croquis, construir materiais que simbolizam os elementos do espaço, assim como também maquetes, ou até mesmo brinquedos com materiais recicláveis. A partir desses recursos, sugere-se uma avaliação formativa, na qual o docente seja capaz de averiguar os avanços na aprendizagem de seus alunos, mostrando pontos de atenção e progressos conquistados.

Fonte: UNOPAR

Referencias
CALLAI. H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 66, p. 227-247, maio/ago. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a06v2566.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2017.

BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios da psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

NORA. P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-26, dez. 1993. Disponível em:  <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101/8763>. Acesso em: 12 ago. 2017.

PEREIRA, R. M.; SOUZA, J. C. de. Uma reflexão acerca da importância do trabalho de campo e sua aplicabilidade no ensino de Geografia. Revista Mirante, Goiânia, 2. ed., v. 1, n. 1, p. 1-15, set. 2007.

TUAN, Yi-Fu. Environrnent" and "world. Professional Geographer, v.17, n. 5, p. 6-7, 1965.

______ Space and place: humanistic perspective. In: GALE, S.; OLSSON, G. (Orgs.). Philosophy in Geography. Dordrecht: Reidel, 1979. p. 387-427. Publicado originalmente em: Progress in Geography, v. 6, p. 211-252, 1974.

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