Dia Internacional da Poesia

Poesia para alimentar a alma.
No dia 21 de março, celebra-se o Dia Mundial da PoesiaUm tributo à palavra poética, ao poema e aos poetas. A data foi instituída pela UNESCO, em 1999, com o objetivo de comemorar e apoiar a diversidade linguística através da expressão poética. Além de promover o seu ensino.
A poesia é um importante gênero literário que se apresenta como a manifestação da estética por meio da palavra. Podemos encontrar suas origens como expressão artística na Grécia antiga entre os anos 500 e 400 aC. O filósofo grego Platão foi o primeiro a falar de poesia como uma atividade criativa. Segundo a UNESCO, o propósito da celebração é instigar a leitura, escrita e produção de poesias ao redor do planeta. Bem como, celebrar o árduo ofício dos poetas em transmitir o sentimento da sociedade no decorrer de diversos contextos históricos.
Para celebrar a data, reunimos uma seleção de 10 poesias e autores para você ler e inspirar-se. Sabemos que toda lista é injusta, pois são muitos os nomes que poderiam aparecer por aqui. Assim, ao fim não deixe de compartilhar com a gente outros poemas, de própria autoria ou indicações. Afinal, como disse a poeta paraense, Ana Guadalupe, “não conheço ninguém que não seja artista.

Este livro foi o primeiro livro publicado por Cora Coralina já aos 75 anos, em 1965. A leitura provoca um sentimento de olhar para o outro, além da alta tensão poética. A memória é o fio que Cora Coralina utiliza para esboçar o plano do livro, da mulher que escreve para “recriar e poetizar sua própria vida”.
RESSALVA
Este livro foi escrito
por uma mulher
que no tarde da Vida
recria e poetiza sua própria
Vida.

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos… Não
Poesia… Não
um modo diferente de contar velhas estórias.


A carioca Alice Sant’Anna é uma das grandes revelações da poesia contemporânea brasileira. A jovem, dona de uma poética bastante delicada, começou a escrever aos 16 anos e lançou os títulos: Dobradura, seu primeiro livro, em 2008 – considerado na época o livro do ano pelo Jornal do Brasil. Ainda, Pingue –Pongue (2012), em parceria com Armando Freitas Filho, Rabo de Baleia (2013) e Pé do Ouvido (2016).
um enorme rabo de baleia
cruzaria a sala nesse momento
sem barulho algum o bicho
afundaria nas tábuas corridas
e sumiria sem que percebêssemos
no sofá a falta de assunto
o que eu queria mas não te conto
é abraçar a baleia mergulhar com ela
sinto um tédio pavoroso desses dias
de água parada acumulando mosquito
apesar da agitação dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega exausto em casa
com a mão esticada em busca
de um copo d’água
a urgência de seguir para uma terça
ou quarta boia e a vontade
é de abraçar um enorme
rabo de baleia seguir com ela


Tabacaria, de Fernando Pessoa
Tabacaria é um poema escrito em 1928, pelo poeta português, Fernando Pessoa, e publicado no periódico Presença, em julho de 1933.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.


Poema Sujo, de Ferreira Gullar
Poema Sujo é o título de um poema e também da obra em que foi publicado. Escrito no período do exílio de Ferreira Gullar na Argentina, entre maio e outubro de 1975, se tornou o mais conhecido e estudado poema do autor.
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos

menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia


A palavra cerzida, de Cacaso
Antônio Carlos Ferreira de Brito, mais conhecido como Cacaso, nasceu em Uberaba (MG), em 13 de março de 1944. Cacaso começou a escrever poesias aos 20 anos, como sambas que ficaram imortalizados nas vozes de Elton Medeiros e Maurício Tapajós. Seu primeiro livro, A palavra cerzida, demonstrou seu posicionamento contra a Ditadura Militar, período que vivenciou, tendo em seus versos duras críticas ao regime. Ele destacou-se na vertente da poesia marginal.
Poética
Alguma palavra,
este cavalo que me vestia como um cetro,
algum vômito tardio modela o verso.
Certa forma se conhece nas infinitas,
a fauna guerreira, a lua fria
encrustada na fria atenção.
Onde era nuvem
sabemos a geometria da alma, a vontade
consumida em pó e devaneio.
E recuamos sempre, petrificados,
com a metafísica
nos dentes: o feto
fixado
entre a náusea e o lençol.
Meu poema me contempla horrorizado.
Rio, 1965

Nascido em Moçambique, em 1922, Craveirinha é considerado o maior poeta do país. Vencedor do Prêmio Camões em 1999, tornou-se o primeiro africano a receber esta honraria. Craveirinha, através de seus poemas, mostrou a desigualdade social de seu país, apontando os problemas das camadas mais baixas de Moçambique, bem como contra o racismo e o domínio de Portugal na época.
Grito Negro
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

Nascida em Odessa no ano de 1889, Anna Akhmatova destacou-se como uma das maiores poetas russas do século passado. Suas poesias expõem as dificuldades que obteve para escrever no período stalinista, bem como na tentativa de consagrar-se no ramo literário apenas encarregado pelos homens. O poema mais conhecido de sua carreira foi “Réquiem”, em que demonstrou grande habilidade na escrita. Anna também trabalhou como crítica literária e tradutora, ela faleceu em 1966.
O Canto do Último Encontro
Sentia-me sem forças, gelada,
mas os meus passos eram leves.
Na mão direita tinha a luva
da mão esquerda, ao partir.
Eram realmente tantos degraus?
Eu sabia que eram só três!
O outono abraçava os plátanos
e murmurava:”Morre comigo!”
É o meu destino
que me enganasse e me traísse.
Eu respondi: “Oh, meu amor!
Eu também…Contigo morrerei…”
Este é o canto do último encontro.
Olhei para a casa escura,
Só no meu quarto, amarelo e indiferente,
ardia o fogo das velas.
Vinte e um. Segunda- feira. É noite!
No escuro uns contornos de cidade.
Algum vagabundo escreveu
que na terra pode haver amor.
E por tédio ou preguiça,
todos acreditaram e assim vivem:
esperam encontros, temem adeus
e cantam canções de amor.
Mas a outros revela-se o enigma,
e o silêncio repousará sobre eles…
Descobri isto por acaso
e desde esse momento sinto-me mal.
Ouvi uma voz. Falava confiante,
Murmurando: “Vem,
deixa a Rússia para sempre.
Eu limpo o sangue das tuas mãos,
do coração arranco o negro pejo,
com outro nome cubro
a injúria e a dor da derrota.”
Tapei os ouvidos com as mãos,
para que essas palavras indignas
não profanassem o meu espírito aflito.
(Traduzido por Manuel de Seabra)

Ana Guadalupe 
Ana Guadalupe é uma poeta sintética com influências pop. Paranaense que adotou São Paulo como casa, Ana é autora dos livros Relógio de pulso (2011) e Não conheço ninguém que não seja artista (2015).
Passé composé
subiu as escadas
para perguntar sobre as palavras
derrubadas pelo meu sotaque

afirmei que meu amor é
enorme, um móbile
perdido entre arandelas;

disse que meu amor é
firme, retorna com maçãs
e canela das pernas;

se perguntasse sobre a
fertilidade, os perni-
longos, a falta de sorte,

responderia que meu amor é
forte, chacoalha as árvores
sempre que parte.


Elisa Lucinda é poetisa, jornalista, cantora e atriz. Brasileira, é uma mulher multifuncional e destaca-se em diversas áreas artísticas.
Só de Sacanagem
Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela ainda que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo
duramente para educar os meninos mais pobres do que eu,
e para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus
pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e
eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança
vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança
vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o
aprendiz, mas não é certo que a mentira de maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao
conselho simples de meu pai, minha mãe, meus avós e
dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva
o lápis do coleguinha”,
“Olha, esse apontador não é seu, minha filhinha”.
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido
que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca
tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica
ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao
culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do
meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:
mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo
o mundo rouba” e eu direi: Não importa, será esse
o meu carnaval, vou confiar mais, mais e outra vez. Eu, meu
irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o
escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal”.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Ouviram?
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente
quiser, vai dar para mudar o final!


Antologia Poética, de Vinícius de Moraes
Para finalizar, um clássico. Lançado em 1954, o livro de Moraes reúne as três fases do escritor, representada por divisões dentro do próprio livro. A primeira delas é mística, a segunda considerada uma fase de transição e, por fim, a terceira retrata uma visão de esquerda do mundo, valorizando temas mais engajados. Alguns dos poemas presentes são “A Rosa de Hiroxima” e os famosos sonetos do autor.
A rosa de Hiroxima (1954)
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Fonte: log.estantevirtual.com.br/2017/03/21/10-poetas-para-relembrar-e-celebrar-o-dia-internacional-da-poesia/?utm_source=facebook&utm_medium=organico&utm_campaign=dia-internacional-da-poesia

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